- O que acho engraçado nesses vinhos bons, é que quando o gosto vem, acaba! Quando a gente começa a sentir o gosto, passa!
- Talvez por isso sejam bons.
- É, talvez.
Acho que ele deixou o vinho porque no fundo, sabia que um dia, nele, ela o esqueceria.
Não que o vinho apagaria o cheiro, as transas, os dias contados e a bagunça toda deixada dentro dela, não! O vinho era compania agradável, o bastante para que ela o perdoasse e era só isso que ela queria.
Telefone não tocava, nem uma mensagem de texto, nem secretária eletrônica, campainha, na-da.
Era ela, uma taça de vinho do porto e cigarros, muitos, dois maços. Voltou a fumar mesmo não querendo amarelar os dentes, nem manter o hálito nicotinado e aquela tosse rouca. Ela parou porque acreditava que a fumaça afastava os outros, mas estava sozinha e a fumaça não afastaria ninguém, não agora.
Da janela, via duas estrelas, duas estrelas de brilho enorme, dessas que a gente parece enxergar as cinco pontas à olho nu.
Mais um gole.
Seu paladar estava acostumado a vinhos baratos, daqueles que bebia com os amigos na adolescência, em copos plásticos que conseguiam na mesma adega em que compravam a garrafa.
Descobriu aos 15, quando foi abandonada pelo primeiro namoradinho, a importância de beber um vinho barato. Os namoradinhos iam e no outro dia, qualquer analgésico tirava a dor de cabeça.
Mas dessa vez, bebia "Dow's Port" em taça, sozinha na cama, ouvindo a festa de sexta-feira do apartamento ao lado. Era diferente e ela sabia. Voltava o olhar pro vinho e como quem procura respostas, ali ficava.
Ela já tinha se perdido antes. Quando esperou ouvir "eu te amo" depois da primeira transa, quando viu o mar e teve a impressão de estar diante do infinito ou nas tantas vezes em que foi assistir um espetáculo de dança, que o os corpos nus se enrroscavam de um jeito tão forte, tão intenso que parecia sufocar e num passo delicado de um dos bailarinos, tudo se desfazia, tudo se fazia paz.
Era assim, exatamente assim que assistia sua vida agora. A vida se enrroscava desajeitada e não via a hora de ser paz. Ela queria ver o bailarino leve organizar a cena, queria ser mar.
"Beber vinho sozinha é tão corajoso!", pensou enquanto acendia outro cigarro.
6 comentários:
só no final eu respirei...
nessa hora, minha taça ja esta vazia.
Oi, primeira vez que passo por aqui. Gostei demais das suas postagens, parabéns.
Aprendi o caminho e pretendo voltar sempre.
E para todo o sempre ...
... Vinho aqui ascender um cigarro.
Que linda dança...
tim
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