quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Agosto

Ônibus cheio, entrou, se espremeu num cantinho e sacou um livro da bolsa. Enquanto lia, sentia um olhar sobre ela, um olhar lambido, esparramado, curioso. Tentou se concentrar mas não conseguiu e fingindo ler, procurava com a cabeça imóvel e os olhos quase saltando do corpo, os olhos que tanto a gritava.
"Deve ser impressão, só",  mas não era e ela sabia. Sabia, mas o fato de estar em um ônibus lotado, apoiada num livro e numa barra de metal suja, não parecia muito romântico. "Romântico! E quem disse que foi um olhar romântico? Olhares acontecem o tempo todo, curiosos, aflitos, saudosos, doloridos... Não é nada". Duas, três e virando a quarta página, sente o olhar de novo, e devolve o olhar automaticamente. É um homem, jovem, vinte e poucos anos, cabelo bagunçado, barba, boca pequena, nariz fino e olhos grandes, grandes e perdidos, perdidos dentro dos seus. "Ah, então é você? Será que quer descobrir qual livro tenho nas mãos?" Guardou o livro. "Se era isso, não vai mais olhar." E sente os olhos dele sobre teu corpo branco, coberto por um vestido de bolinhas coloridas. "É o vestido. É um vestido divertido! Deve ser artista plástico!"
Não sabiam quem eram, seus nomes, telefones, profissões, ali eram dois corpos lambidos de olhares cuidadosos, curiosos, uma curiosidade além corpo-trabalho-signo, uma curiosidade funda. E assim se amaram por quase trinta minutos, se amaram por umas sete ou nove paradas e a cada saculejada do ônibus, se amaram e se contaram ali, se olhando. Ele sorriu, desceu e o ônibus seguiu viagem. Ela também seguiu e seguiu pensando "amor é isso, livre e grande-grande dentro do espaço que se dá."

5 comentários:

Delon disse...

O amor é mesmo um menino que não anda na linha, se agarra nela e badala. Sempre num fio, parece roupa no varal, mais ainda uma pipa que voa no vento, entregue ao segurar tão leve da mão moleque.

(:

tu merece os amores

Jamil P. disse...

Um ônibus que faz a Linha do Amor: não sabemos direito de onde vem, nem pra onde vai; onde é seu ponto inicial, onde fica o terminal. Ainda assim queremos nele embarcar, leve-nos pra onde nos levar. Passageiros somos na linha do Amor.

Ba Moretti disse...

Delícia ler textos assim e se imaginar observando tal cena.

Ives disse...

Nossa, fantástico rss abraços

Joana Masen disse...

Adorei o texto, o amor é isso mesmo, sempre tem começo meio e fim, independente de onde e quando aconteça.

Convido-a a conhecer meu texto, que também se chama Agosto:

http://absurdosideias.blogspot.com/2010/01/agosto-dele.html

E a segunda parte dele em:

http://absurdosideias.blogspot.com/2010/01/agosto.html

Bjos!